sexta-feira, 1 de maio de 2009

O Outro Lado da Seca


Estou lendo aqui no O Povo on line que o governador Cid Gomes vai sobrevoar, nesta manhã, as cidades atingidas pelas chuvas na Região Norte do estado. A primeira coisa que me vem a cabeça é aquela música do Bráulio Tavares e Ivanildo Villanova, na voz da maravilhosa Elba Ramalho, que diz: imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente; quem conhece lembra que antes de começar a cantar tem um trecho falado, onde ela diz alguma coisa sobre os políticos brasileiros sobrevoarem o Nordeste em época de eleição para comprovarem que realmente há seca no Nordeste. Legal, né não? Tão reconfortante! Sem críticas a atitude do nosso governador, sobrevoar é mais seguro do que navegar. O povo que o diga. Continuando a leitura vejo que está incluída ali, nos municípios alagados e que estão recebendo ajuda da Defesa Civil, a pequena cidade de Marco, com seus pouco mais de 24.000 habitantes, onde trabalho. Uau! Não que seja uma surpresa tão grande, afinal se é o Rio Acaraú que está causando todo esse estrago, seria muita sorte Marco escapar, uma vez que está localizada na região do baixo Acaraú. Mas me surpreendo assim mesmo. E decido ir ver com meus próprios olhos, se me permitem a redundância. Ora, quero ver, sim, e lá vou eu. Já dentro do carro me dou conta de que esqueci de pegar a câmera. Volto pra buscá-la, olho rapidamente o relógio na parede e vejo que tenho 30 minutos até o meu próximo atendimento. Vai dar tempo, afinal, não deve ter tanta água assim. Mas tem. O pior é que tem. A presença de um carro de bombeiros puxando uma lancha já dá a dimensão exata da tragédia. Uma lancha nas ruas de Marco?!? Estão retirando famílias que moram em área de risco, próximas ao leito do rio. Logo ali, pertinho da igreja matriz, as águas avançam sem se importar com as ruas calçadas ou com o fato de haver casas ali e pessoas morando nelas. Vejo a a doutora Ticiane do outro lado da rua, com o olhar parado na correnteza, e vou até lá. Brinco com ela, "vai trabalhar, Ticiane!", ela ri, mas é claro que eu sei que ela está trabalhando: ela coordena o programa de Vigilância Epidemiológica no município, e sabemos que, principalmente em municípios pobres,as doenças em consequência da falta de saneamento básico associada ao contato com águas contaminadas, tendem a se alastrar. Mas a visão dela ali, com as mão na cintura, o olhar desolado e a clara sensação de impotência que deixa transparecer chega a ser comovente. Não resisto e fotografo a cena. Ela se vira, vem até o carro e ameaça sorrindo:"Glos, se tu mostrar essa foto a alguém eu te mato." Mostro não, prometo, mas desço do carro e faço uma foto rapidinho de nossos rostos colados. Ficou linda, Tici, se você deixar vou botar no meu blog. Com toda aquela água atrás. Ela indica as ruas em que não passa carro, e diz que a Secretaria de Saúde está quase dentro d'água. Vou lá ver, então. E vejo. Santo Deus, a calçada já está tomada pelas águas, o Fórum local, que é vizinho, se encontra na mesma situação. Tudo parece tão irreal! Sempre acompanhei essas cenas acontecendo em várias partes do Brasil, até mesmo aqui no Ceará, mas nunca me vi no centro delas, como agora. Assistindo e acompanhando, de perto, famílias inteiras desabrigadas, tendo que se refugiar nas escolas, e que, consequentemente, ficam sem aulas, casas e móveis sendo levados pelas enxurradas, se não retirados a tempo, atendendo pessoas que me dizem, ao ser solicitado o endereço, que estão morando ali, no colégio... No colégio? Insisto, e reafirmam. Sim, no colégio, nós e mais um monte de famílias que estão sem casa. Em visita, constato o grande número de crianças nessas famílias. Assustador e preocupante. E aí chega alguém me contando que uma família, ilhada, se recusa a sair porque não votou no prefeito atual, e só sai se o candidato dela, que perdeu as eleições, mandar o socorro para tirá-los dali. Custo a acreditar que seja verdade, mas é. Tento identificar mentalmente a família em questão, e nem tento entender aquilo tudo. Até que outra pessoa vem e me diz que eles já saíram e se encontram em segurança. Graças a Deus! E ao candidato dela, que realmente mandou uma lancha para resgatá-la, parece. O que é natural, ele não pode correr o risco de perder aqueles votos na próxima eleição. Instintivamente, e quase sem me dar conta, levanto os olhos em busca de sinais de chuva (ou será do helicóptero do governador?), e algumas gotinhas embaçam meus óculos. Alguém do meu lado me pergunta baixinho, ao pé do ouvido: Glos, tu tá chorando? Claro que não, respondo, levemente iritada, tá chovendo, tá vendo não? Ao trabalho, a vida segue seu curso, independente do curso das águas do Rio Acaraú.

3 comentários:

  1. Olá Glos (se me permite a intimidade)! Sou namorado da Nayana e como ela vive me falando de você resolvi navegar no lorotasEmarmotas... Essa não é uma boa postagem para o comentário que farei a seguir, mas como você mesma disse a vida segue seu curso, independente do curso das águas... Enfim, adorei mesmo o seu blog e a partir de agora sou seguidor dele... Não deixe de atualizá-lo hein!!!

    ResponderExcluir
  2. Eita, já estou em falta contigo, adriano, pois não tenho escrito muito por aqui, mas saiba que é uma honra te-lo entre meus seguidores, o que vai me obrigar a ser mais responsável com esse blog. Também já te conhecia pela Nayana, e essa é a coisa mais importante que nós dois temos em comum; o amor e o carinho por essa garota maravilhosa...mas não vamos falar isso pra ela não, né?senão ela vai ficar se achando...kkk...obrigada pela visita, beijos pros dois.

    ResponderExcluir
  3. ah meu deus!!!!!!! vim ver essa postagem e dou de cara com essas duas pessoas que amoooooo de paixão falando isso de mim... ai ai ai como eu amo vocês...

    ResponderExcluir

Strange Fruit ( Poema de  Lewis Allan, pseudônimo de  Abel Meeropol, publicado em 1936. ) Southern trees bear strange fruit, Blood on th...