terça-feira, 29 de maio de 2012

A professora começa a se arrepender de ter concordado (“Você é a única que tem temperamento para isto”) em dirigir a peça quando uma das fadinhas anuncia que precisa fazer xixi. É como um sinal. Todas as fadinhas decidem que precisam, urgentemente, fazer xixi. - Está bem, mas só as fadinhas – diz a professora. – E uma de cada vez! Mas as fadinhas vão em bando para o banheiro. - Uma de cada vez! Uma de cada vez! E você, onde é que pensa que vai? - Ao banheiro. - Não vai não. Mas tia. - Em primeiro lugar, o banheiro já está cheio. Em segundo lugar, você não é fadinha, é caçador. Volte para o seu lugar. - Um pirata chega atrasado e com a notícia de que sua mãe não conseguiu terminar a capa. Serve a toalha? - Não. Você vai ser o único de capa branca. É melhor tirar o tapa-olho e ficar de anão. Vai ser um pouco engraçado, oito anões, mas tudo bem. Porque você está chorando? - Eu não quero ser anão. - Então fica de lavrador. - Posso ficar com o tapa-olho? - Pode. Um lavrador de tapa-olho. Tudo bem. - Tia, onde é que eu fico? É uma margarida. - Você fica ali. A professora se dá conta de que as margaridas estão desorganizadas. - Atenção, margaridas! Todas ali. Você não. Você é coelhinho. Mas o meu nome é margarida. - Não interessa! Desculpe, a tia não quis gritar com você. Atenção, coelhinhos. Todos comigo. Margaridas ali, coelhinhos aqui. Lavradores daquele lado, árvores atrás. Arvore, tira o dedo do nariz. Onde é que estão as fadinhas? Que xixi mais demorado. - Eu vou chamar. - Fique onde está, lavrador. Uma das margaridas vai chamá-las. - Já vou. - Você não, Margarida! Você é coelhinho. Uma das margaridas. Você. Vá chamar as fadinhas. Piratas, fiquem quietos. - Tia, o que é que eu sou? Eu esqueci o que eu sou. - Você é o sol. Fica ali que depois a tia... Piratas, por favor! As fadinhas começaram a voltar. Com problemas. Muitas se enredaram nos seus véus e não conseguem arrumá-los. Ajudam-se mutuamente, mas no seu nervosismo só pioraram a confusão. - Borboletas, ajudem aqui – pede a professora. Mas as borboletas não ouvem. As borboletas estão etéreas. As borboletas fazem poses, fazem esvoaçar seus próprios véus não ligam para o mundo. A professora, com a ajuda de um coelhinho amigo, de uma árvore e de um camponês, desembaraça os véus das fadinhas. - Piratas, parem. O próximo que der um pontapé vai ser anão. Desastre: quebrou uma ponta da lua. - Como é que você conseguiu fazer isso? – perguntou a professora sorrindo, sentindo que o seu sorriso deve parecer demente. - Foi ela! A acusada é uma camponesa gorda que gosta de distribuir tapas entre os seus inferiores. - Não tem remédio. Tira isso da cabeça e fica com os anões. - E a minha Frase? A professora tinha esquecido. A Lua tem uma fala. - Quem diz a frase da Lua é, deixa eu ver... O relógio. - Quem? - O relógio. Cadê o relógio? - Ele não veio. - O quê? - Está com caxumba. - Ai, meu Deus. Sol, você vai ter que falar pela Lua. Sol, está me ouvindo? - Eu? - Você, sim senhor. Você sabe a fala da Lua? - Me deu uma dor de barriga. - Essa não é frase da Lua. - Me deu mesmo, tia. Tenho que ir embora. - Está bem, está bem. Quem diz a frase da Lua é você. - Mas eu sou caçador. - Eu sei que você é caçador! Mas diz a frase da Lua! E não quero discussão! - Mas eu não sei a frase da Lua. - Piratas, parem! - Piratas, parem. Certo. - Eu não estava falando com você. Piratas, de uma vez por todas... A camponesa gorda resolve tomar a justiça nas mãos e dá um croque num pirata. A classe é unida e avança contra a camponesa, que recua, derrubando uma árvore. As borboletas esvoaçam. Os coelhinhos estão em polvorosa. A professora grita: - Parem! Parem! A cortina vai abrir. Todos a seus lugares. Vai começar! - Mas, tia, e a frase da Lua? - “Boa noite, Sol”. - Boa noite. - Eu não estou falando com você! - Eu não sou mais o Sol? - É. Mas eu estava dizendo a frase da Lua. “Boa noite, Sol.” - Boa noite, Sol. Boa noite, Sol. Não vou esquecer. Boa noite, Sol... - Atenção, todo mundo! Piratas e anões nos bastidores. Quem fizer um barulho antes de entrar em cena, eu esgoelo. Coelhinhos nos seus lugares. Árvores, para trás. Fadinhas, aqui. Borboletas, esperem a deixa. Margaridas, no chão. Todos se preparam. Você não, Margarida! Você é coelhinho! Abre o pano. (Peça Infantil, de Luís Fernando Veríssimo)
Créditos da foto: Zeca Filho.

Strange Fruit ( Poema de  Lewis Allan, pseudônimo de  Abel Meeropol, publicado em 1936. ) Southern trees bear strange fruit, Blood on th...