sábado, 9 de junho de 2012

DEVAGAR PARA NÃO MATAR

 Os interlocutores são o filho de um fazendeiro que estava a gozar férias no Rio de Janeiro e um colono de sua fazenda. O moço, que já há muito tempo não recebia carta de casa nem notícia de seus pais, encontrou, uma manhã, numa praça da cidade, o colono, embasbacado a olhar um arranha-céu.
 - Olá! Você por aqui, Tibúrcio!
 - Ah! O meu patrão!
- Então, você vem ao Rio e não me procura, não vem logo à minha casa?
- Ora essa! Então não havia de ir!
- Pois é, mas você ainda não foi...
- Ia lá agora mesmo...
- Você acaba de chegar?
- Não, senhor. Cheguei anteontem e, desde que cheguei, estou para ir lá agora mesmo...
 - Então. Como está tudo por lá?
- Tudo bem, sem novidade.
- E o meu cavalo predileto, o Janota?
- Ah! É verdade, esquecia-me de dizer-lhe... Esse é que não tem lá passado muito bem.
- Sim? E o que tem ele? Está doente?
- Não, senhor.
- Ah!... Você me deu um susto! Cavalo que me custou cinqüenta mil cruzeiros!...
- Não, senhor, não está doente! Morreu!
- Morreu?...
- Sim, senhor. Mas o mais vai sem novidade.
- Morreu? Mas se ele não estava doente... Morreu de algum desastre?
 - Não, senhor. Qual desastre?
- Então?...
 - Morreu do fogo que houve lá na cocheira.
- O quê? Houve fogo na cocheira?
- Sim, senhor. Queimou-se toda e o pobre Janota que estava dentro, foi-se também, coitado!
- Mas, como pegou fogo na cocheira?
- Pegou da casa.
- Da casa?
- Sim, senhor. Por mais que fizéssemos, não foi possível impedir que o fogo passasse à cocheira. Mas o mais vai sem novidade.
- Mas como foi que pegou fogo na casa?
- Foi uma vela que caiu do castiçal.
- Uma vela?
- Sim, senhor. Uma vela caiu em cima do pano do caixão e foi tudo pelos ares.
- Do caixão? Mas qual caixão?
- O caixão onde estava a defunta!...
- Que defunta?
- A senhora sua mãe. - Minha mãe? Pois minha mãe morreu?!...
- Morreu sim. Mas o mais vai sem novidade.
- Mas do que morreu minha mãe?
- De desgosto, coitadinha!
- Desgosto de quê?
- Pela morte do seu pai.
- Mas vem cá. Então meu pai morreu também?
- Não, senhor. Não morreu... Matou-se.
- Matou-se?
- Sim, senhor. Enforcou-se. Mas o mais vai sem novidade.
- Enforcou-se?!...
- Sim, senhor. Fizeram-lhe a penhora de todas as suas fazendas e ele viu que estava arruinado, que ia pedir esmola... foi a uma corda... e... zás. Mas o mais vai sem novidade, graças a Deus!
                                                                                      (Gervásio Lobato)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Strange Fruit ( Poema de  Lewis Allan, pseudônimo de  Abel Meeropol, publicado em 1936. ) Southern trees bear strange fruit, Blood on th...